A partir do famoso Questionário Proust, criado pelo escritor francês Marcel Proust no início do século passado – para conhecer melhor amigos e conhecidos de sua intensa vida social – criei meu questionário “Mulher de Sucesso Responde”. Esta semana, a segunda da série, as perguntas são para Marlova Jovchelovitch Noleto, representante da UNESCO no Brasil.
Quando criança, Marlova Jovchelovitch Noleto tinha na ponta da língua uma resposta bem diferente para a inevitável pergunta dos adultos “o que você vai ser quando crescer?”. Nem professora, nem artista ou cientista, Marlova era certeira: “Eu dizia que, a cada dia, queria ser uma coisa diferente”, conta. Até hoje, aos 59 anos, ela garante que essa vontade permanece. “Felizmente, meu trabalho me permite viver momentos diferentes diariamente, não há rotina. Hoje posso estar envolvida em uma ação social em alguma comunidade no Rio de Janeiro e, amanhã, em uma missão oficial, encontrando a sheika Mozah, no Catar”, explica. A mãe do atual emir da pequena nação dos Emirados Árabes – com papel fundamental nas políticas de Educação e Cultura do país – é uma das muitas personalidades internacionais poderosas com quem Marlova interage em seu cotidiano como Representante da UNESCO no Brasil.
A gaúcha Marlova – nascida em Uruguaiana, no extremo sul do Brasil, na fronteira com Argentina e Uruguai, de ascendência russa e romena – conta que trabalhar na Organização das Nações Unidas foi um sonho acalentado durante muito tempo. Na verdade, é o caminho para uma aspiração ainda maior: “Meu empenho é promover a paz, porque sempre quis mudar o mundo”, assume sem falsa modéstia. Portanto, estar hoje no Brasil à frente do órgão da entidade destinada à Educação, Ciência e Cultura é, para ela, “o melhor dos mundos”.
Na ONU, inicialmente trabalhou no Unicef (Fundo das Nações Unidas Para a Infância) e, dois anos depois, foi designada para a UNESCO – com sede em Paris e cujo escritório brasileiro é o maior do mundo. Mestre em Serviço Social, ela fez das políticas de bem-estar social sua principal missão de vida. Antes de chegar à ONU – onde está há mais de 20 anos – aprendeu muito e teve atuação marcante em órgãos como a antiga Febem do Rio Grande do Sul – atual Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, onde conheceu a dura realidade dos menores infratores e da terrível desigualdade socioeconômica brasileira.
Marlova destaca os dois projetos que está focando no momento: o trabalho junto a CUFA (Central Única das Favelas) de auxílio às comunidades mais vulneráveis durante a pandemia; e a próxima edição do Criança Esperança, em setembro, que marca os 35 anos do evento e os 16 da parceria com a UNESCO – inicialmente a parceria era apenas do UNICEF com a Rede Globo. No mais, ela que vive em Brasília com o marido e a filha, diz curtir prazeres bem comuns, como encontrar com as amigas – faz parte de uma confraria de cafés – agora só via Zoom ou Skype; ver muitos filmes e ler. Entre os títulos que consumiu nos dias de quarentena estão a comédia de Woody Allen, “Meia-Noite em Paris”, e a biografia de Clarice Lispector escrita pelo norte-americano Benjamin Moser. Outro prazer, o de viajar, foi interrompido por razões óbvias, mas ela informa que tem mais de 5 passaportes carimbados. E resume: “Eu gosto mesmo é de gente!”. A seguir, Marlova Jovchelovitch Noleto, Mulher de Sucesso, responde:
Qual é o seu maior exemplo de mulher de sucesso?
Penso em muitos nomes, como Simone de Beauvoir, Indira Gandhi, Golda Meir, Katherine Johnson, Coco Chanel, Malala Yousafzai e, aqui no Brasil, em Patrícia Galvão, a Pagu, Berta Lutz, Leila Diniz… Cada uma, em seu lugar e tempo na história, abriu caminho para podermos ser quem somos e desfrutar da liberdade que temos. Foram elas que nos permitiram ter acesso à universidade, ao mundo do trabalho e a uma vida feliz, sem ser necessariamente pelo casamento. Se compararmos a situação das mulheres e meninas no Brasil com a de outros lugares do mundo, veremos que ainda há muitas restrições para elas. Em uma nota pessoal, meu maior exemplo é minha avó materna, Berta Tolpolar, que saiu da Europa, sozinha, aos 19 anos, fugindo dos horrores do nazismo, atravessou o mundo para chegar ao Brasil e nunca teve medo de nada. Ela é minha inspiração permanente.
Qual a sua ideia de felicidade no trabalho?
Eu amo o que faço e, para mim, a ideia de felicidade no trabalho está associada a fazer o que se gosta. Adoro a ideia de que, com meu trabalho e liderando uma equipe de pessoas comprometidas, podemos impactar positivamente a vida de tantos, contribuindo para empoderar pessoas, criar oportunidades e transformar vidas.
Eu achava que sucesso era… mas descobri que sucesso é…
Tenho muitas dúvidas sobre o conceito de sucesso. Sempre acreditei que o mais importante é ser feliz e gostar do que se faz, estar contente com a sua vida e poder contribuir para a vida dos que vivem perto de você. Para mim, sucesso era conquistar uma posição de destaque no trabalho, em um mundo quase totalmente dominado por homens. Hoje, entendo que sucesso é ser dona de mim e senhora das minhas vontades, um equilíbrio mais hedonista, distribuindo melhor meu tempo com aquilo que me dá prazer e me traz felicidade. Como estar com a minha filha, com meu marido e meus amigos, por exemplo.
Depois da pandemia, qual será a mudança mais significativa na sua área de atuação profissional?
Sem dúvida será o foco permanente nas pessoas, reiterando o compromisso das Nações Unidas de não deixar ninguém para trás, promovendo inclusão para todos. Acho também que a pandemia nos permitirá redobrar a aposta no poder da ciência e na importância da educação para transformar o mundo. O conceito de sustentabilidade está mais em alta do que nunca.
Se você pudesse escolher um superpoder, qual seria?
Acho que eu escolheria acabar com a pobreza e com a desigualdade no mundo. É difícil conviver com tanta concentração de riqueza. Felicidade é um conceito coletivo – acredito na ideia de que é impossível ser feliz em um mundo marcado por tanta desigualdade e que escancara a fragilidade das nossas sociedades. Temos uma responsabilidade coletiva com todos.
Que tipo de hábito ou exercício você recomenda para desligar ou aliviar sua mente?
Sou ligada na tomada e parar sempre é difícil para mim, mas, nesta pandemia, adquiri o hábito de “visitar” meus melhores amigos e meus tios idosos pelo Skype ou pelo Zoom. Me faz um bem enorme perceber que as conexões que realmente importam continuam vivas e que os laços permanecem firmes e fortes.
Qual mensagem você gostaria de deixar para as próximas gerações?
Acho que chegou o momento de entender que somos todos da mesma família, a família humana. E que habitamos um lugar comum, o planeta Terra. Isso nos dá um senso de responsabilidade enorme uns com os outros. Portanto, mais amor, mais solidariedade e mais empatia são urgentes!
Com Mario Mendes e Antonia Petta
Donata Meirelles é consultora de estilo e atua há 30 anos no mundo da moda e do lifestyle.
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