Renda, madeira, barro, fuxico, bordado: Antônio Castro cria uma moda poética em forma de conto
O estilista alagoano Antônio Castro, diretor criativo da Foz, recuperou uma história da própria família para contar uma outra história: a da moda do inverno 2025 feita a partir de técnicas artesanais tipicamente brasileiras. O Conto de Laura, nome da coleção apresentada no SPFW N58, tem fuxico feito em Maceió, bordado filé de Marechal Deodoro e rendendê de Entremontes – todas essas, cidades de Alagoas. Tem também o richelieu de Caicó (RN) e o tear manual do Vale do Jequitinhonha (MG). As estampas, que retratam cenas do sertão, são reproduções de pinturas de Sil da Capela, reconhecida ceramista alagoana, que se revela talentosa também com tintas e pincéis.
O apuro de Castro é tanto, que até o cenário e o convite entram na temática: na passarela, a cama esculpida em madeira (foto que abre esta coluna) vem da Ilha do Ferro - conhecida por abrigar uma comunidade tipicamente formada por artesãos -, criada pelo Ateliê Boca do Vento, da artesã Camile. Ela, por sua vez, é neta de Fernando Rodrigues, quem criou o artesanato em madeira pelo qual o povoado à beira do Rio São Francisco ficou famoso. Já o convite viralizou nas redes sociais: o bilhete veio dentro de um porquinho de barro, do artesão sergipano Wilson Capilé, e precisava ser obrigatoriamente quebrado para revelar o conteúdo.
As técnicas artesanais aparecem em vestidos e conjuntos com caída fluida, cores terrosas e referências às vestimentas do cangaço, como o fechamento do gibão, que é a jaqueta de couro usada pelos cangaceiros para se proteger dos espinhos dos cactos. Nos vestidos brancos, o bordado lembra os arabescos que caracterizam o desenho das grades e portões de casas antigas do interior.
“Na teia do esquecimento, a memória se faz em doses iguais de verdade e imaginação”. A frase de Itamar Vieira Junior inspira a forma com que o estilista escolhe contar a história da tia-avó Laura, que fugiu de casa para se juntar a um bando de cangaceiros na década de 1930. Ele parte desse evento que marcou a história da família para criar um conto com elementos ficcionais. Tudo isso forma uma coleção poética, que fala de figuras anônimas do cangaço, de uma Alagoas antiga, das tradições populares e, também, da moda brasileira.
Donata Meirelles é consultora de estilo e atua há 30 anos no mundo da moda e do lifestyle.
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